segunda-feira, 26 de julho de 2010

O vício do golpismo e a democracia torta


“Tortas” (“desvairadas”, “golpistas”, etc.) são as palavras proferidas de maneira vã, irresponsável - e a serviço de um modo rasteiro de se fazer política - por um homem imaturo e despreparado que, indesculpavelmente concorre nessas eleições ao posto de vice-presidente da República.

Lula Miranda

No Brasil, desgraçadamente, pode-se, ainda, dar publicidade a um indigno e deletério trocadilho: “o vício do golpismo é que faz a democracia torta”. Poder-se-ia empenar ou desviar, de modo vil, a doutrina da soberania popular graças a um incerto modelo de democracia “torta” ou “fake” ou “para inglês ver” que ainda subsiste no ideário de alguns “democratas” [ou, simplesmente, “Demos”]. Tortos ou retos, incorretos ou corretos, desviados também, podem ser os nossos caminhos e escolhas. Escolhas e caminhos que fizemos; que fazemos. Escolhas e caminhos que ainda faremos.

Explico-me melhor: “tortas” [“desvairadas”, “golpistas” etc.] são as palavras proferidas de maneira vã, irresponsável [e a serviço de um modo rasteiro de se fazer política] por um homem imaturo e despreparado que, indesculpavelmente [por culpa não apenas dele, mas de quem o indicou] concorre nessas eleições ao posto de vice-presidente da República – e, veja bem!, se eleito o candidato da oposição este homem poderia vir a ser presidente desse grande país, no caso de impedimento do “imprevidente” titular.

Mas, voltemos ao “vício” a que originalmente alude esse artigo. Que “vício” é esse que tenta nos desviar do bom caminho, do rumo que ora nos dá a prazerosa sensação de cidadania [em toda a plenitude do termo]; que pretende nos impedir de experimentar, de modo definitivo, as dores e as delícias de uma democracia madura, plena?

Ainda convivemos com o “obcecante desvario”, um certo ranço autoritário, herança maldita do coronelismo de antanho. Um atavismo danoso que contamina o gene e a alma de alguns. Um “veneno” que ainda corre nas veias de uns poucos e (sobre)vive entre nós contaminando membros de certa elite caduca (poucos repito, felizmente), aqueles que ainda acham/pensam que “nasceram para mandar” e que, em decorrência disso, tudo lhes é permitido. Gente que tem o pensamento nublado/obliterado por preconceitos de classe, de gênero, de toda ordem [alguns destes preconceitos e valores inconfessáveis à luz do dia]. Gente que ainda não percebeu que o país está mudando; está melhorando; avançando.

Lembro-me de um episódio curioso para auxiliar nesse nosso “estudo de caso”, pois “eloqüente”. No começo da década de 1990, ainda jovem, fazia, voluntariamente, campanha de rua, na cidade de São Paulo, para um dos candidatos dos partidos de esquerda à prefeitura, quando um grupo de jovens “bem-nascidos” passou num desses carrões importados da moda da ocasião, empunhando bandeiras do candidato que viria a ser vitorioso [o da direita], e gritaram a plenos pulmões em direção ao meu pequeno grupo:“Pobres! Seus Pobres! Pobres! Pobres! Pobres!”. E prosseguiram em coro, rindo às gargalhadas, com aquela indisfarçável arrogância tranqüila e “natural” dos que estavam acostumados a vencer sempre.

São esses os personagens que desejam agora retomar o poder; é exatamente esse jeito de estar, pensar e enxergar as coisas do mundo que deseja prevalecer, preponderar, vencer mais uma vez.

É certamente esse “o espírito da coisa” que está por trás das despropositadas e infamantes declarações do candidato a vice da chapa de extrema-direita que concorre ao pleito presidencial de outubro desse início de século XXI. Por mais incrível que isso lhes possa parecer, a essa altura do campeonato [em pleno século XXI!] a direita mais empedernida e ruinosa deseja, de qualquer maneira ou forma, sem medir palavras e/ou meios, retomar o leme que orienta os rumos da nação.

“Eles” anseiam por voltar. “Eles”, que, até parecem [tamanha a insensatez] incorporados/travestidos numa tosca e extemporânea metáfora/caricatura do mal, agora reaparecem como que a emergir dos ínferos [juro que até então, ledo engano, pensava que “eles” representassem uma candidatura de centro-direita]. “Eles”, em verdade, representam o nosso pior pesadelo.

Mas, para além das palavras, que já dizem muito, estão os atos e princípios [ou melhor, a falta destes] dessa turma “barra pesada”.

O novo Brasil em que vivemos hoje avançou e tem uma imensa e importantíssima pauta de assuntos a discutir, a tratar: déficit habitacional, violência urbana, saúde pública, educação, infra-estrutura, pré-sal, distribuição de renda, previdência, salário, emprego, reforma política etc. O elenco propositivo é vasto. O país precisa discutir esses temas, seguir avançando e sedimentar seu ciclo de crescimento econômico, pavimentando assim o seu longo caminho rumo ao desenvolvimento econômico. Essa seria a orientação que nos indica(m) o(s) caminho(s) para nos tornarmos, de fato, uma grande nação; esse seria o rumo a uma democracia de fato. Mas “eles”, os “neo-escravagistas”, preferem a democracia “torta”.

Esse “trololó” [esse termo lhe é familiar?] dessa direita cheia de ódio e preconceitos é, seguramente, o caminho torto, o descaminho. Essas infâmias propagandeadas, sem pudor algum, e, quase sempre, de modo acrítico, pela grande imprensa, forçando uma associação do nome de um dos principais partidos da base aliada do governo [e de sua candidata] a crimes de assassinato, a falsos dossiês, ao terrorismo, ao narcotráfico e agora, finalmente, a uma facção do crime organizado, o Comando Vermelho [!!!]. Esse discurso maledicente, torpe, despropositado, “amalucado” até, assim como o “denuncismo” seletivo e faccioso desse, já em estado falimentar, oligopólio da mídia não contribuem para o avanço da democracia em nosso país, ao contrário.

É imperioso que todos nós, jornalistas, intelectuais, professores, operários, artistas, sindicalistas, profissionais liberais, enfim, todos os cidadãos mais esclarecidos deste país, não nos furtemos em adotar uma posição firme nessa hora. De modo severo, crítico, veemente. E que digamos/exclamemos peremptoriamente: “Eles” estão errados; esse não é o caminho que devemos trilhar!

Não nos acumpliciemos com os verdadeiros criminosos da história. A nossa história é/será outra. Não nos acumpliciemos com o atraso.

Lula Miranda é poeta e cronista. Foi um dos nomes da poesia marginal na Bahia na década de 1980. Publica artigos em veículos da chamada imprensa alternativa, tais como Carta Maior, Caros Amigos, Observatório da Imprensa, Fazendo Média e blogs de esquerda.

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