Um estranho modo de governar
Jornal Folha de S.Paulo , terça-feira 6 de fevereiro de 1996
A equipe FHC vem utilizando com extrema agilidade a "carta branca" que ela própria se deu. Em operação realizada na Bolsa de Valores de São Paulo, o BNDES entregou a seis bancos e corretoras 600 milhões de ações da Petrobrás _sem necessidade de os compradores desembolsarem um tostão. O preço combinado por 0,55% do capital de uma das maiores empresas do mundo foi de R$ 60 milhões, mas para pagamento somente daqui a um ano, com juros de 10% ao ano (extremamente simpáticos), mais a Taxa de Juros de Longo Prazo. Além disso, o BNDES "inovou", mudando totalmente as regras do mercado, e autorizou os "compradores" a revenderem as ações (contratos "a termo") a qualquer momento, sem necessidade de os novos compradores pagarem o débito antes de vencido aquele prazo. Isto é, antes de 12 meses não entrará um tostão nos cofres do BNDES, que, segundo um diretor do banco estatal, aceitou essa condição, "que interessa aos investidores, porque não tem necessidade imediata de fazer caixa". Um argumento estranhável, já que o governo FHC está-se desfazendo de estatais e de ações em poder do BNDES exatamente para levantar recursos e, indiretamente, cobrir o falado "rombo" do setor público. Teoricamente, qualquer interessado poderia ter comprado as ações, pois a venda foi feita por meio de leilão em Bolsa. Mas o respectivo edital comunicando sua realização foi publicado somente dois dias antes do leilão.
Cartas marcadas
Toda a operação foi planejada e articulada por seis bancos e corretoras, que passaram a dispor de 0,55% do capital da Petrobrás, sem pagar nada, à espera da alta dos preços das ações. Graças à concordância do BNDES, vão embolsar lucros que deveriam ser do banco estatal, isto é, da coletividade. O BNDES aceitou até cartas de fiança (de outros bancos) em substituição ao ’’depósito de garantia’’ (margem) de 20%, habituais no mercado.
Manipulação
A operação foi acertada com a direção do BNDES há três meses, mas o leilão somente se realizaria quando as ações da Petrobrás chegassem a R$ 100 (o lote de mil ações) na Bolsa, o que aconteceu nos últimos dias de janeiro. Vale dizer, durante 90 dias somente a direção do BNDES e um punhado de instituições financeiras, seus clientes preferenciais e diretores sabiam que as cotações seriam "puxadas" para chegar aos R$ 100.
Privatização
Reunião do Conselho Nacional de Desestatização, no final de janeiro. Discute-se o roteiro de privatização da Rede Ferroviária Federal. O presidente da empresa aponta que o preço estabelecido para a venda está muito baixo, pois foi calculado há dois anos por uma empresa multinacional de consultoria. O representante do BNDES não contesta, mas alega que "essa revisão atrasaria o leilão em pelo menos três meses", e a rejeita. Um patrimônio de bilhões de reais vai ser vendido a preços reconhecidamente subavaliados?
Autoritarismo
Brechas nas leis do Ministério da Fazenda e do Banco Central alimentam a remessa de dólares e sonegação de impostos. Com essas acusações, a Procuradoria Geral da República e a Receita Federal pediram mudanças na legislação, em outubro. O Banco Central se opôs, e acabou ganhando a disputa. Agora, em entrevista, o diretor da área externa do Banco Central, Gustavo Franco, diz que, por meio de telefonemas a banqueiros, proibiu que eles fizessem aquelas operações. No governo FHC, o Brasil não precisa de leis, como ocorre em qualquer sociedade democrática. Autoritarismo confesso.
Caixa preta
O Ministério Público Federal quer processar o ministro da Fazenda e os diretores do Banco Central por causa do socorro a bancos "quebrados". O ponto básico da acusação é totalmente jurídico: houve desrespeito à lei, que proíbe essa utilização de recursos públicos. Em sua defesa, Malan, Loyolla e equipe dizem que fizeram tudo dentro da lei, isto é, autorizados por um "voto" (de resolução) do Conselho Monetário Nacional. O Ministério Público diz que o que vale é a lei.
Do site: http://www.aloysiobiondi.com.br/
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