terça-feira, 28 de julho de 2009

A democracia está capengando. Esquerda terá que ser radical

A chamada “democracia eleitoral” dá sinais de esgotamento por todos os cantos do mundo. A democracia está atrofiada e precisa encontrar novas formas para rejuvenescer e que passam por uma participação mais efetiva da sociedade através dos movimentos sociais, mas também pela radicalização das propostas. A esquerda necessita libertar-se do drama de fazer as reformas que a direita sempre quis fazer, para impor uma agenda que amplie e radicalize a democracia. O artigo é de Éric Aeschimann, publicado no Libération e traduzido pelo Cepat (Centro de Pesquisa e Apoio dos Trabalhadores).

Tradução do artigo de Aeschimann (16/02/2008), publicada na revista IHU Online.

Doença na democracia, nevoeiro nas urnas. É esse o efeito retardado de uma sucessão de escrutínios de resultados embaraçosos para a esquerda? Um movimento de humor diante da democracia liberal triunfal? Nova mania de alguns filósofos? Ou uma crise mais profunda? O fato está aí: a democracia, em todo o caso na sua forma eleitoral, está mal de saúde e os intelectuais vêm à sua cabeceira. Certamente para se perguntar pelo significado deste ataque de febre. Outros, mais radicais, para afirmar que, num mundo mais complexo e mais desigual que nunca, o sistema representativo não permite mais que a grande maioria participe da tomada de decisão coletiva e que se faz necessário se perguntar pelos próprios fundamentos.

Punir os eleitos. Primeiramente, a constatação. Ela atravessa clivagens políticas. Vindos da esquerda antitotalitária, os historiadores das idéias soam o alarme. “A democracia eleitoral incontestavelmente erodiu”, escreveu Pierre Rosanvallon no final de 2006 em La Contre-Démocratie [A contra-democracia]. Próximo da segunda esquerda, ele descreveu as diversas formas da “desconfiança” democrática, da “democracia negativa”: abstenção, manifestações, vontade de vigiar e punir os eleitos. Na introdução do primeiro volume de L’Avènement de la démocratie [O advento da democracia], que apareceu no outono, seu colega Marcel Gauchet prefere falar de “uma anemia galopante”, de uma “perda de efetividade” que ele atribui a uma “crise de crescimento” de grande amplitude. A ironia quer que essas análises se desenvolvam num momento em que, praticamente em oposição ao campo de batalha intelectual, a crítica da “democracia formal”, tão velha quanto o marxismo, conhece uma segunda juventude.

Testemunhando o inesperado sucesso do pequeno ensaio do filósofo Alain Badiou, De quoi Sarkozy est-il le nom ?, verdadeiro ataque da lei das urnas. “Todo o mundo percebe que a democracia eleitoral não é um espaço de escolha real”, escreve. Diante da “corrupção” das democracias pelas potências do dinheiro, teria chegado o momento de definir “uma nova prática daquilo que foi chamado de ‘ditadura’ (do proletariado). Ou ainda, e é a mesma coisa: um novo uso da palavra ‘Virtude’”.

Muitas vozes se levantaram – as de Bernard-Henri Lévy ou do crítico literário Pierre Assouline – para denunciar o retorno de uma retórica associada ao comunismo estalinista. Michel Taubman, diretor da revista Le Meilleur des Mondes, suspeito de complacência para com o pensamento da esquerda, mostra uma certa tranqüilidade: “Há trinta anos, na França, 20% da população denunciava a democracia burguesa e acreditava na ditadura do proletariado. Vivemos com isso. Na realidade, esses intelectuais radicais não representam ninguém, porque, hoje, mesmo Besancenot defende a democracia eleitoral”. Portanto, que na França a discussão tome um aspecto tão enérgico não é casual. “Os franceses são, no contexto europeu, os mais pessimistas em relação à democracia e seus representantes”, nota Stéphane Rozès, diretor do Instituto CSA. A crise, diagnostica, é “espiritual” e ratifica o discurso da impotência dos políticos diante da mundialização.

“Impotência”. Abstenção nas eleições presidenciais de 2002, vitória do ‘não’ à Constituição européia, “flechadas” tão bruscas quanto as efemérides pela Ségolène Royal depois François Bayrou, participação massiva na consagração de Nicolas Sarkozy, escrutínios locais transformados em ‘défouloirs’, a bússola fica desnorteada. Nem as extravagâncias sarkozianas nem a ratificação do mini-tratado europeu deverão contribuir para restaurar a confiança nas virtudes do voto. Algo para confortar Badiou, não enfastiado de constatar em seu livro: “A impotência era efetiva, mas agora ela é comprovada”.

“Os franceses não reprovam nos políticos a sua falta de proximidade, mas sua irresponsabilidade”, retoma Rozès, acrescentando que os franceses são tão mais sensíveis nisso quanto seu viver em conjunto não está fundado sobre a religião ou a etnia, mas sobre a partilha dos ideais políticos. Resta colocar-se de acordo sobre as causas da impotência democrática. Este é o desafio da reflexão engajada. Para Marcel Gauchet, o acontecimento de uma concepção hipertrofiada dos direitos humanos acabou por privar a coletividade de todos os meios de ação. Patrick Braouzec, deputado comunista de Saint-Denis, pensa, ao contrário, que “ao lado das eleições, pelas quais as pessoas se interessam muito, mas que constituem um momento específico, a democracia só pode atrofiar se ela não se apoiar também sobre uma democracia participativa e sobre o movimento social”. Um “movimento social” de contornos fluidos – manifestações de rua, apoio às crianças indocumentadas, operações midiáticas das Crianças de Don Quixote... – e que, levado ao extremo, lembra o título de um livro do filósofo John Holloway, em voga entre os altermundistas: Mudar o mundo sem tomar o poder [São Paulo: Viramundo, 2003]. Fazer política, acordos, mas fora das urnas.

O filósofo Slavoj Zizek, estrela do campus americano e habituado às brincadeiras provocadoras, vai ainda mais longe ao estimar que só “a violência popular” permitirá às classes desfavorecidas se fazerem ouvir nas democracias liberais. Zizek publica este mês na França uma coletânea dos “mais belos discursos de Robespierre”, precedido de uma longa introdução em que se pergunta como “reinventar um terror emancipatório”. Ícone da pop-filosofia, conhecida primeiramente por suas análises do cinema hollywoodiano, o homem é, portanto, o contrário de um nostálgico. Nos tempos do “socialismo real” lutou na Iugoslávia titista e participou dos primeiros passos da democracia eslovena. Sua radicalização parece mostrar que o desencantamento democrático não pode ser reduzido a uma exceção francesa.

“Arrogância ocidental”. É que, um pouco por todo o mundo, os processos de democratização conhecem malogros de diversas ordens que pioram a “promoção da democracia”, para retomar o vocabulário em uso na ONU desde os anos 90: o Iraque e o Afeganistão, mas também a Rússia onde Putin recupera o poder, a Argélia ou a Palestina onde os islâmicos viram confiscar suas vitórias obtidas pelas urnas. Ou ainda, o crescimento dos populismos na Polônia, na Dinamarca, na Bélgica. Até mesmo uma América que, para impor a democracia, não hesitou em transgredir os princípios elementares do direito. No número de janeiro da Revista Esprit, Pierre Rosanvallon apontava “uma certa arrogância ocidental e uma certa cegueira em relação à natureza e aos problemas da democracia”.

Tradução: Cepat

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