Segundo Michael R. Kratke, Professor de Economia Política e Diretor do Instituto de Estudos Superiores da Universidade de Lancaster no Reino Unido, a BP é uma bomba de relógio no sistema financeiro mundial. A empresa refinancia-se com derivados creditícios e fundos de pensões que agora, e para infelicidade dos seus clientes, têm grandes perdas. Dois elementos tão centrais como obsoletos do atual capitalismo – uma economia baseada na energia fóssil e na especulação financeira à escala planetária – levam-nos diretamente à próxima catástrofe.
Michael Kratke - Sin Permiso
O que começou como uma crise financeira em setembro de 2008, com a irrevogável falência do banco Lehman-Brothers, pode agora entrar na próxima ronda com a previsível queda da BP. A transnacional britânica é uma bomba relógio financeira, não só para a Grã-Bretanha mas para todo o Reino Unido. Os custos do desastre petrolífero no Golfo do México estimam-se em 70 bilhões de dólares.
Para os britânicos, a BP é como instituição nacional, a maior sociedade anônima do país, a blue chip mais brilhante do mercado de valores londrino. Muitas pessoas julgam que a BP é uma empresa petrolífera. E é verdade. A BP fornece petróleo, tem oleodutos e refinarias um pouco espalhados por todo o mundo. Mas a BP é, simultaneamente, um banco com um raio de ação internacional que, tal como a Enron ou a General Motors, actua nos mercados financeiros internacionais.
De AA a BBB
Como, oficialmente, não é uma entidade financeira, a British Petroleum esta a meio caminho de ser um negócio OTC ou fora do mercado organizado de valores, isto é, que atua fora das bolsas, num negócio sem regulação nem controle. O refinanciamento é através da titularização de derivados creditícios de alto risco, CSOs [obrigações colaterais sintéticas, na sua sigla inglesa], a que não corresponde qualquer valor patrimonial, mas apenas derivados creditícios. São um próspero comércio esses derivados financeiros. A BP é detentora ou tem participações em pelo menos 18% dos papéis deste tipo que circulam por todo o mundo. Recordamos que a crise financeira mundial foi desencadeada pela queda em cadeia de derivados titularizados: as CDOs [obrigações de dívida colateral, na sua sigla inglesa] e os CDS [derivados creditícios de dívida, na sua sigla inglesa]. Agora, os riscos nas CSOs são muito maiores e o alavancamento creditício de maior envergadura e as regulações são desconhecidas.
Por outras palavras: Quando a BP quebrar, a sua falência terá consequências globais. Como supostamente sucedeu no caso Lehman-Brothers, ninguém sabe até que ponto a BP está endividada, nem quem nem em que jogos de azar estão envolvidos os créditos da BP. Mas, como a transnacional é considerada a pérola da coroa da indústria financeira britânica, com fundamento se pode suspeitar que estão aqui metidos todos os que gozam de reputação e hierarquia no mundo financeiro internacional. Não há dúvidas: a próxima bolha está prestes a rebentar. É só uma questão de tempo. Mais provável dentro de semanas que de meses.
O valor patrimonial das instalações da British Petroleum atinge agora o montante de 240 bilhões de dólares. Muitos dos seus campos petrolíferos e participações estão à venda por todo o mundo. Desde finais de abril, perdeu metade do seu valor em bolsa. Deverá entrar um investidor estratégico, provavelmente um fundo estratégico árabe. Os líbios querem ser uma opção mas ninguém se balança a tamanho risco. E os meros boatos de uma entrada de mil milionários árabes não convencem as agências de qualificação do risco.
A Fitch, a menor das três grandes, baixou drasticamente no passado dia 15 de junho a qualificação do gigante petrolífero, pela segunda vez em duas semanas: e desta vez nada menos do que seis escalões de uma vezada, de AA para BBB. Se as duas grandes – a Moody’s e a Standard & Poor’s – a seguirem, os empréstimos da BP baixarão à categoria de lixo, como os títulos da dívida pública grega. De qualquer modo, grandes investidores destas agências, como Warren Buffet, colocaram milhares de milhões em ações e obrigações da BP, o que explica a moderação da Moody’s e da Standard & Poor’s.
Nada de OPAs hostis
Entretanto, a BP teve que ceder à pressão do governo dos EUA e sujeitar-se a um fundo de garantias num montante de 20 bilhões de dólares. Pelo menos até ao próximo ano a BP não poderá continuar a pagar dividendos, terá que seguir uma política de poupança férrea e eliminar milhares de postos de trabalho, os primeiros 5.000 já em 2010. Há fortes indícios que levam à suspeita que a explosão do passado dia 20 de abril no Golfo do México assenta numa implacável política de redução de custos. A segurança e o cuidado, como é sobejamente sabido, custam tempo e dinheiro. Quem louva o capitalismo pela sua eficiência não sabe do que fala. Ou se sabe, dá a entender aquilo em que não acredita.
A questão é que Londres prepara-se para o pior. Debaixo de um clamoroso silêncio acompanhado de rotundos desmentidos, trabalha-se em planos de emergência. A queda descontrolada ou uma tomada de controle da BP seria uma catástrofe para os britânicos. As ações da BP têm fama em todo o mundo de investimentos seguros e lucrativos. A BP pagava regularmente, trimestre a trimestre, polpudos dividendos.
Os fundos de pensões, os maiores investidores institucionais nos mercados financeiros internacionais, compravam e mantinha enormes quantidades de acções da BP. E no sistema britânico de reformas os fundos de pensões jogam um papel chave. Só que, precisamente os rendimentos de reforma cobertas por capital são tudo menos seguros. Quando rebentou a bolha imobiliária estadunidense em 2008, muitos fundos de pensões resultaram em prejuízos dos depositantes e pensionistas. Para os fundos de investimento britânicos que há alguns anos investiam em acções da BP, a catástrofe petrolífera é ao mesmo tempo um desastre financeiro. Cerca de um sexto de todos os dividendos que se pagam no Reino Unido vêm da BP! Assim, os fundos perderam de três formas: patrimonialmente pela queda livre das ações da BP, pelos dividendos evaporados, e pela diminuída capacidade de crédito.
Os fundos de pensões perderam já muito dinheiro com as ações dos bancos e, agora, cai-lhes em cima a situação da BP. Se se calcularem as possíveis perdas tendo por base uma pensão média entre 12 mil e 13 mil libras esterlinas anuais, falamos de 800 a 1.000 libras esterlinas por ano. Daí, o governo do primeiro-ministro Cameron não ter escolha. Se a BP ajoelha, terá que intervir com um novo pacote milionário de resgate. Se foi necessário para os grandes bancos, não será menos necessário para a BP. Isso significa mais dívida pública e ainda mais desproporcionados pacotes de poupança.
A BP não pode desaparecer, pois ela é, de longe, um dos maiores contribuintes fiscais da Ilha e controla uma boa parte das infra-estruturas vitais do reino insular, como a Forties Pipeline System que liga mais de 50 campos petrolíferos no Mar do Norte, ou o oleoduto Baku-Tiblisi-Ceihan, que possibilita o trânsito de petróleo do Cáucaso para a Europa ocidental. Por isso, David Cameron anuncia que o seu governo fará tudo o que estiver ao seu alcance para impedir o controle da BP por empresas petrolíferas chinesas, árabes ou russas. Se a BP cai nas mãos das gigantes norte-americanas, acabaram-se as considerações para com os fundos de pensões ou para quaisquer outras necessidades britânicas. Dentro de poucos dias a BP tem que liquidar os pagamentos que se vencem no segundo trimestre de 2010. O seu montante é enorme.
Este caso ilustra com clareza como dois elementos tão centrais como obsoletos do capitalismo – uma economia baseada na energia fóssil e na especulação financeira planetária – nos aproximam do abismo da próxima catástrofe.
(*) Michael R. Krätke é Professor de Economia Política e Director do Instituto de Estudos Superiores da Universidade de Lancaster no Reino Unido.
Este texto foi publicado dia 26 de Julho de 2010 em www.sinpermiso.info
Tradução de José Paulo Gascão
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